Em cima do salto, gentilmente
Hoje eu decidi subir no salto. Isso tem sido coisa rara desde que as sapatilhas surgiram na minha vida, trazendo uma elegância cheia de conforto e ocupando pouco espaço no meu guarda-roupa (quem é mulher sabe que um sapato de salto alto ocupa bastante espaço nos nossos já abarrotados armários). Mais do que subir no salto, eu também decidi que não desceria dele enquanto estivesse fora de casa, mesmo que a falta de educação alheia me obrigasse a fazer isso.
Eu acredito no poder da gentileza. Quando você é gentil com as pessoas, elas invariavelmente fazem o mesmo com você, devolvendo a gentileza. Quando você dá a passagem para um pedestre na faixa - o que na verdade é obrigação, não gentileza -, ele te agradece e às vezes até esboça um sorriso. Se você dá passagem para um outro carro no trânsito, mais à frente, esse carro que recebeu a sua gentileza, irá fazer o mesmo com outro carro que precise entrar no fluxo em que vocês estão, e este terceiro carro também fará o mesmo com um outro. Isso já aconteceu comigo e foi muito interessante observar o poder de um ato simples, fácil e que toma apenas alguns segundos do nosso tempo. Um sorriso, um "bom dia", um "por favor", um "obrigado" e um "com licença" são fundamentais.
Dessa última expressão então, tenho saudades! O "com licença" parece não existir na cidade onde moro! As pessoas costumam invadir o seu espaço sem ao menos se darem conta do que estão fazendo. Ontem, na fila do caixa de um restaurante, uma pessoa simplesmente atravessou o braço na minha frente enquanto eu digitava a senha do meu cartão na máquina, impedindo a minha visão, para poder pegar uma caixa de chicletes que estava do meu lado. Senti-me invisível. Hoje, uma pessoa parou ao meu lado, como se estivesse em minha companhia, no caixa de uma livraria no momento em que eu iria digitar a senha. Citei apenas dois exemplos, mas acontecem situações de falta de educação praticamente todos os dias.
Às vezes eu paro para pensar se o problema está comigo; afinal, todo mundo parece exibir um padrão de comportamento que eu considero tão estranho, que começo até a achar que a esquisita sou eu, no meio de todos. Mas aí eu me lembro de uma frase que li uma vez e que dizia: "Errado é errado, mesmo se todo mundo estiver fazendo isso. Certo é certo, mesmo se ninguém estiver fazendo isso".
Conviver ou simplesmente "esbarrar"com pessoas que têm a cara fechada, que reclamam de tudo, que desconhecem as palavrinhas mágicas citadas anteriormente, que não têm o menor traquejo social e que só pensam em si, faz com que, sem perceber, queiramos tratá-las da mesma forma. Todo mundo recebe de volta aquilo que dá. É claro que eu não sou perfeita. Eu não tenho sangue de barata, também tenho os meus dias de pressa, de TPM, de impaciência total. Mas eu faço questão de vigiar o meu comportamento para não ser "mais um boi na boiada", para não cair no erro de apontar no outro uma falha que eu também cometo. Eu não quero me transformar em alguém assim.
Hoje eu consegui me manter no salto. Porém, sei que nem sempre dá pra ficar em cima dele. Isso é um desafio diário, exige treino constante. Todo relacionamento é uma via de mão dupla, onde cada um dá e recebe. E geralmente damos aquilo que recebemos.
As palavrinhas mágicas são fundamentais porque têm o poder de deixar a vida mais leve (tanto a nossa quanto a do outro), de fazer da convivência um prazer. A gentileza faz com que sejamos generosos e que deixemos o nosso individualismo de lado, em prol do outro, mesmo que por um breve instante. Ela é como uma rápida atitude de amor, já que o amor é aquele sentimento que desperta o que há de melhor em nós, que nos leva a pensar sempre no bem do outro. E como disse Guimarães Rosa: "qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura"...
Denise Mattos
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